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Psicologia Intercultural
Cristiana Lobo | 01.11.2019
Uma área de estudo relativamente recente da psicologia é a Psicologia Intercultural, que pesquisa as possíveis tensões geradas pelo contato entre culturas. Sylvia Duarte Dantas é professora da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) especializada em Psicologia Intercultural e coordena um trabalho intervenção psicossocial que engloba psicoterapia breve, workshops e orientação intercultural na universidade voltado para imigrantes, intercambistas, brasileiros descendentes de imigrantes e brasileiros retornados de exterior. Nesta entrevista, ela conta um pouco sobre seu trabalho e explica processos que surgem no contato com outras culturas como aculturação, ansiedades, questionamentos de identidade e conflitos que surgem entre casais de diferentes origens.
Ela fez mestrado e doutorado na Universidade de Boston e atua principalmente nos temas: psicologia intercultural, psicanálise, orientação e psicoterapia breve intercultural, intervenção psicossocial, gênero, e/i-migração, identidade étnica/cultural, preconceito e processos de inserção cultural.
É co-autora do livro Líder de mudança e grupo operativo, ed. Petrópolis: Vozes; autora do livro Changing gender roles: Brazilian immigrant families in the U.S., New York: LFB scholarly publishing LLC, 2002, autora e co-organizadora do livro Psicologia, E/Imigração e Cultura, São Paulo: Casa do Psicólogo, e do e-book Diálogos Interculturais: Reflexões Interdisciplinares e Intervenções Psicossociais, entre outros. Também atua na metacuradoria de O Comum, projeto do IEA, Instituto de Estudos Avançados da USP.
1) Como é o seu trabalho na UNIFESP?
Eu coordeno um trabalho que envolve psicoterapia breve, workshops e orientação intercultural na UNIFESP Baixada Santista. Realizamos atendimentos na UNIFESP Baixada Santista no Serviço-Escola em Santos e em São Paulo na UNIFESP que fica na Vila Mariana. Supervisiono alunos da graduação a partir do 5º ano. Atendemos estrangeiros, imigrantes, brasileiros descendentes de imigrantes e brasileiros que voltaram de uma temporada no exterior e estão em fase de readaptação. Primeiro há uma entrevista e em seguida o atendimento na própria universidade que acontece em no máximo 12 sessões.
2) Quais são as principais queixas dos estrangeiros que estão morando no Brasil?
Todo mundo quando imigra tem um estranhamento ao código social diferente. Isso é comum a todos que cruzam fronteiras. Os estrangeiros que residem aqui no Brasil costumam enfrentar dificuldades com a falta de organização, burocracia e relações pessoais.
Quem vem de países do hemisfério norte costuma se queixar do excesso de proximidade física que existe aqui, inclusive no ambiente de trabalho, assim como do hábito dos brasileiros de fazer comentários sobre a aparência e perguntas sobre a vida pessoal, atitudes vistas com estranhamento pelos estrangeiros e sentidas como invasivas.
No Brasil, essa é uma forma de construção de uma relação de confiança. Antes do trabalho, para os brasileiros vem a proximidade, a sintonia e uma certa simpatia.
São códigos distintos de trabalho, de amizade, do que é proximidade e hospitalidade. Para eles a hospitalidade seria seguir o que foi combinado, cumprir a programação e chegar no horário, por exemplo.
3) Qual é a influência que uma mudança de país pode gerar na identidade?
Identidade significa “quem eu sou”, que tem relação com a história de cada um e suas referências, inclusive físicas. Quando as pessoas se mudam sentem saudades de sensações, cheiros e lugares que têm a ver com memórias afetivas.
A mudança é uma quebra dessas referências e coloca em cheque todo um jeito de ser, sentir e pensar, ou seja, quem se é, e isso implica um questionamento de valores, de como se vê o mundo, de formas de comportamento, trabalho, concepções de amizade, de jeito de ser. A identidade é colocada em cheque quando se vê diante do diferente.
4) A mudança de país pode gerar uma crise?
Quando a pessoa se muda para um local com uma cultura diferente, em geral, no começo é sempre uma “lua de mel”. Depois é que se entra em contato com as diferenças e isso cria um conflito. Este conflito, que se denomina processo de aculturação, será vivido de uma forma impactante ou não de acordo com vários fatores tanto contextuais quanto internos.
A palavra crise significa tanto perigo quanto oportunidade. E o conflito gerado pelas diferenças culturais pode desencadear um processo que a pessoa tenha dificuldade de superar. Ou então, a saída do próprio país pode ser encarada como uma oportunidade de ampliar uma forma de ser, pode significar uma ampliação de uma visão de mundo. É uma oportunidade para se relativizar o “ser ser-humano”. As pessoas tendem a achar que sua forma de ser é universal.
5) Você pode falar um pouco mais sobre este processo de aculturação?
Durante o processo de aculturação o indivíduo pode criar diversas estratégias para lidar com outra cultura. Em alguns casos há o abandono da própria cultura e a adoção da nova, adota-se a nova língua e há pessoas que até optam por não se relacionar mais com pessoas do próprio país. Isso depende muito do contexto do país de recepção.
Outras pessoas adotam uma separação, começam a freqüentar lojas étnicas e buscam grupos de pessoas da mesma nacionalidade. Há também a possiblidade da marginalização, em que o indivíduo não se identifica com uma cultura nem com a outra. Por último, pode ser criada uma ponte em que a pessoa mantém aspectos da sua cultura original e adota outros da cultura hospedeira, ocorre uma integração que gera menos sofrimento. A forma escolhida depende de cada um e do contexto do país, da forma como as pessoas recebem estrangeiros e da política migratória adotada.
6) Como os recursos internos de cada um influenciam neste processo de aculturação?
Tudo depende da história da pessoa, se ela tem objetivos consistentes, uma boa relação consigo mesma. Quem tem uma crítica muito forte pode encontrar dificuldades. Também podem ser despertados alguns tipos de ansiedade diante do novo: ansiedades paranóides (quando o novo é visto como ameaçador), depressivas (quando o novo é sinônimo de perda do que havia antes) e confusional (quando a pessoa não sabe mais quem ela é).
Essas ansiedades afloram com maior ou menor intensidade de acordo com o acolhimento. Se a pessoa é mal-recebida, se sofre algum tipo de preconceito provavelmente haverá um processo de ansiedade. A reação de cada um também depende de seu repertório interno, se ela já tem uma história de dinâmica familiar difícil é um agravante.
Recursos que ajudam a lidar com a nova cultura seriam a capacidade de estar consigo mesmo – porque é um momento mais solitário – porque você tem uma ruptura de rede social, além da condição de lidar com a ambigüidade e a diversidade.
7) Quais são as dificuldades que casais formados por pessoas de culturas diferentes podem enfrentar?
As diferenças que podem ser justamente o que atrai a princípio, em momentos de crise são exatamente o que acirra o estresse. Pode ocorrer entre os parceiros uma certa hierarquização de acordo com a origem de cada um (quando pertencem a países com diferentes graus de desenvolvimento). Também há a questão das diferentes concepções de família e dos papéis que se espera de um homem e de uma mulher. É um trabalho para os dois lidar com essas diferenças que são profundas e as pessoas muitas vezes não se dão conta.